sábado, 14 de maio de 2011

Regresso Escarlate

Levanto-me.

Sinto cada parte de mim como se cada milímetro de osso estivesse alquebrado como as pedras do mesmo caminho rochoso que se coloca à minha volta. Minhas vestes e meu manto estão puídos e em partes com pequenos rasgos.

A dor retarda meus sentidos, de modo que apenas depois de longos instantes noto que não há mais vento gelado. Não há mais frio. Sinto-me morno, apesar do vento continuar a bruxulear meus cabelos como a chama de uma vela, e meu manto continua a se inflar como a vela dos navios de outrora, onde os Povos Antigos se arriscaram a chegar nestas terras, para construir o primeiro baluarte de pedras brancas que se encontra logo adiante.

A sensação de ter meu corpo alquebrado vai me abandonando aos poucos, então dou meu primeiro passo após levantar-me.

Talvez fosse pela dor, pelos meus sentidos embaralhados. Talvez fosse pela minha cabeça que ainda estava um pouco vacilante. Podia jurar que eu havia escutado meu passo. Fechei meus olhos por um momento e, como sempre me foi ordinário, nada ouvi. Nem pedras, nem passos, nem vento, nem nada. Deixo um riso de deboche escapar de minha boca, apenas para marcar a minha tolice por pensar que ouvi, mas logo meu choque quase me leva ao chão como aquele tropeço.

Vacilante mais que minha cabeça, começo a dar passos pesados para me apoiar nas paredes rochosas, e a cada passo meu choque aumenta. A cada passo, a cada pedra que se movia, a cada respiração pesada, as minhas mãos tateando a rocha, as minhas vestes e meu manto ondulando, até mesmo meu coração pulsando nos ouvidos que jamais pensei que existissem, e isso desde que nasci.

É-me inevitável. Lágrimas mornas escorrem dos meus olhos e correm por sobre meu rosto como jamais aconteceu antes, mesmo quando tudo o que deixei para trás estava em ruínas e escombros fumegantes. E quanto mais choro, mais sinto meu choro interminável, pois cada soluço que sai de minha boca é ouvido por mim mesmo.

Pela primeira vez eu ouço, e sou o primeiro a ser ouvido por mim mesmo.

Para onde vai o vento frio

O vento não soprava mais, porém isso não me eximia do frio.

Sim, frio.

Dizer que jamais senti frio assim não é o bastante para descrevê-lo. A cada respiração podia sentir meus pulmões congelando, e ao intervalo de cada batida de meu coração, sentia o gelo se partir e novamente congelar, de modo que o sangue estilhaçava a cada pulsar que outrora me traria calor.

Mas não há mais calor, ou fogo.

Era isso que Ela me fazia com Seu olhar.

E não mais podia chamar de vida o que sentia, pois Ela estava lá para me buscar. Não havia mais vida, apenas o frio.

Alva face me encara, porém apenas depois de paralisar-me pelo frio a noto. Se havia um sorriso ou esgar de surpresa, desaprovação ou contentamento, não pude perceber naquele momento. Era uma face de um olhar, alvo como neve, mas infinitamente mais gelado.

Tudo me intrigava, apenas. Minha estupefação foi quando me tocou o rosto com Sua igualmente alva mão. Era fria, mas não como Seu olhar. Havia um consolo naquele toque, mesmo que um consolo frio. Lamentava por mim, se compadecia, mas não havia escolha. Eu devia estar ali, mesmo que o olhar consolador Dela dissesse o contrário, e nem mesmo meu constante ímpeto de caminhar me levaria para longe de seu olhar, de seu toque, quanto mais daquele frio.

Sim, daquele frio.

Se houvesse forma de marcar o tempo, uma era não caberia naquele toque... Tudo se arrasta... Então o toque tem seu fim e eu caio. Queda sem fim. Cair sem ter aparo ou amparo. Não sinto. Não sou. Mas vou. Sempre para baixo.

Abro meus olhos e meu sangue amarga em minha boca com a poeira. Pedras. Volto.

terça-feira, 1 de março de 2011

Queda e Ascenção

A trilha começa a se esvair sob meus pés.

Mal noto que já não mais há árvores, que outrora me seguiam na mesma velocidade de meus passos apressados rumo ao desconhecido.

Agora muralhas de pedra se erguiam ao meu redor, e o que antes era a minha trilha larga, começa a se tornar um caminho tortuoso e estreito, que por vezes me força a andar mais devagar, e não mais é plano o caminho. Agora vou sempre subindo.

Íngreme é a subida, e íngremes são as muralhas de pedra ao meu redor, que se estendem por onde minha vista alcança. Eu posso sentir o vento correndo rápido pela minha face, e sinto o frio que apenas grandes alturas podem me oferecer. Jamais senti esse frio, mas meu destino fica lá adiante, e é preferível morrer congelado e simplesmente me deixar vencer e voltar.

Voltar. Por mais que de fato refizesse meus passos pelo caminho em que vim, não há mais volta. Tudo que sobrou são ruínas e cinzas, uma cena de caos e destruição até mesmo para o mais gelado dos corações, e me pergunto se tal coração gelado nasceu do vento que agora corta meu rosto por entre este caminho de pedra, no meio das montanhas.

E então eu vejo. Lá está. Muralhas de pedra, só que estas cortadas pelas mãos de homens. Brancas como a espuma das ondas que conheço apenas pela poesia dos tempos antigos, quando as pedras brancas da muralha ainda eram parte do seio da terra.

É lá que devo ir. Um caminho fácil foi este, mas uma vez que eu chegue dentro das muralhas brancas, este será meu último caminho fácil, e a preocupação mais banal será o vento gelado que ainda corta meu rosto.

Pedras por todos os lados ao chão, e não vejo uma delas, escarpada em direção à mim. Tropeço, sinto gosto de sangue, e tudo vira um borrão diante dos meus olhos que se apagam como minha consciência. Em busca de solos mais regulares caminhava, e agora tudo o que sei é que uma cama de rochas se estendeu sob meu corpo.

Durmo contra minha vontade, e o vento me abandona.

O frio que sinto não mais vem do vento, mas queria que viesse.

É Ela, e Ela vem para mim.