sábado, 7 de abril de 2012

Incandescência

A noite estava em suas primeiras horas.

Afim de ouvir os sons noturnos, deixei meu simples quarto e caminhei para fora da estalagem, esta bem melhor que a da primeira noite dentro das altas muralhas. Arka Vaulgeon provavelmente havia encontrado algum pobre infeliz com a bolsa de moedas mais cheia do que Arka considerava razoável, e como seu “dever cívico” era aliviar tal peso das costas dos mais afortunados, ele não estava na estalagem. Porém ainda era cedo.

Havia algo diferente no ar. Uma sensação não específica me invadia, um leve sobressalto em meu estômago, uma sensação de que algo estava fora do lugar.
Não era a primeira vez que eu sentia tal coisa. Antes dos meus passos me trazerem para dentro das muralhas brancas que brilhavam ao luar, naquela manhã cinzenta e avermelhada pelas chamas que me puseram a caminhar, a mesma sensação me assaltou.

Algo estava prestes a acontecer.

Nisso vejo Arka voltando, visivelmente trôpego, carregando duas espadas. Era algo estranho, pois jamais vi o mago carregando armas.

“Pegue!” disse ele me lançando uma espada curta, de lâmina levemente dentada e enferrujada.

Lancei meu melhor olhar de incredulidade. Embora minha compreensão da Língua Geral estivesse melhorando a cada dia com meu professor, eu ainda era cauteloso ao usar palavras.

“Ora, você não está sentindo? Não lhe avisei pra confiar na sua intuição?”

Minha incredulidade se tranformou em surpresa. Arka riu.

“Então vamos fazer da maneira mais divertida! Espere um momento.” disse Arka com sua mão em um gesto vago para a espada que acabara de me dar.

Meu estômago dá uma reviravolta, e sinto um calor dentro de mim. O sino da torre principal da cidade tocou uma nota longa, e vários sinos das torres de guarda e dos templos ao redor dobraram e repicaram em resposta.

“Vamos, está na hora.” sussurrou Arka, me pegando pelo braço e me conduzindo para dentro da cidade.

Em vão tentei resistir ao mago, que, embora trôpego, demonstrava uma força além de sua figura magra. Ìamos em direção ao portão principal, e muitas portas eram trancadas nas casas enquanto passávamos, e olhares assutados eram vistos das janelas, porém não em direção à nós, mas em direção ao céu estrelado. Alguns poucos nas ruas estreitas corriam esbaforidos e logo vi a guarda indo na mesma direção em que tomávamos. Minha estupefação em continuarmos na mesma direção que os guardas me prevenia de temer, porém conhecendo o mago e observando a reação dos transeuntes, não era nada bom.

Ele parou de repente e me encarou. Ele não olhou pra mim como o mago bêbado que me puxava no meio daquela confusão. Seu rosto mostrava severo, e eu jamais o vi tão sério.

“Você é uma das nossas últimas esperanças para sobreviver o que virá. Você viu seus exércitos. Eles destruíram os Portões.”

Senti calor. Havia algo queimando dentro de mim, primeiro como um calor febril, mas depois eu estava sentindo fogo, um fogo flamejante correndo sob minha pele, lutando pra sair.

O mago soltou meu braço, e me apontou para o final da rua estreita. A espada em minha mão estava avermelhada e se incendiou. Minha visão escureceu, não podia ver nada. Ouvi ruídos de batalha e um poderoso rugido.

Quando minha visão voltou à mim, havia uma monstruosidade gigantesca e muitos soldados ao chão.


Os soldados foram claramente mortos pela criatura.

A própria criatura estava morta, com uma espada semiderretida cravada em sua cabeça. Eu reconheci o pomo da espada. Arka havia dado ela à mim.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

"Então você veio, Andarilho."

“Então você veio, Andarilho. De todos os que morreram nos Portões, o que eu esperava que sobrevivesse era você, e cá estamos. Você teve um caminho difícil, porém este não o enfraqueceu, apenas o deixou mais forte. Eu posso sentir em você a Chama Imperecível. Seu manto escarlate brilha como os sóis vermelhos das Terras Esquecidas. Mas você ainda tem muito a aprender, então eu serei sua voz e sua consciência, enquanto você ainda não tem sua própria voz. Preste atenção, pois o tempo é um luxo que há muito se esgotou nas ampulhetas de todos, e as areias agora vagam pelos ventos gelados. Não que os ventos gelados sejam um problema pra você, não acredito que sentirá frio novamente. Vamos. Está na hora de você se mostrar para os demônios, e mostrar que os Portões foram apenas o começo.”

...

Três dias eu busquei pela cidade de pedra alguém ou alguma coisa que me mostrasse onde ir, e foi num sonho que encontrei, enquanto dormia numa pequena estalagem com camas tão duras quanto o pão que serviam, e luzes tão ralas quanto o vinho que era deixado em uma jarra de barro ao chão.

Primeiro foi como um sussurro em meus pensamentos, depois ele falou comigo num sonho. Era uma figura no mínimo curiosa, trajando uma capa sobre um gibão de couro puído, seus cabelos eram curtos, e seu bigode enrolado nas pontas emoldurava um sorriso matreiro de muitas vigarices, estas que mais tarde fiquei sabendo. Seu nome era Arka Vaulgeon, e ele era um mago de truques baratos, trapaceiro e brigão, sempre brandindo o arsenal mais afiado de insultos elegantes e velados, que deixava até mesmo o mais escolado nas palavras confuso e perdido.

Tudo isso fiquei sabendo por sua mágica, que ele usava para me contar coisas como uma voz em minha mente, sua arte mais refinada, usada para ganhar apostas e confundir vendedores. E este seria meu professor na Língua Geral e meu guia.

Começo a me arrepender de não ter ficado caído nas montanhas.

Tenho a forte sensação de que esse rufião desmiolado ainda vai me levar aos braços da morte, e dessa vez sem volta.